Afinal, marca e produto são coisas antagônicas?

Existe antagonismo entre marca e produto?

Se você já presenciou uma campanha de lançamento, já deve ter escutado essa pergunta: focamos em produto ou em marca? É uma pergunta que gera discussões calorosas entre equipes, seja dentro de empresas ou na relação “negócio x agência”. 

Esta pergunta gera discussão porque o que está implícito nela é: devo me comunicar de forma mais racional (produto) ou mais emocional (marca)? O resultado é um cabo de guerra sem fim. 

De um lado, times mais “lógicos” como administradores, engenheiros e devs puxam o cabo para o lado do produto. Startups que começam com um ideia de produto inovadora tendem a criar um discurso de venda mais “produteiro”. Falam demais sobre si, suas features, taxas e números e correm o risco de não se conectarem com o problema real do consumidor. Podem soar desinteressantes, esquecíveis e frias demais. 

Já de outro lado, times mais “imaginativos” como publicitários, marqueteiros e designers puxam o cabo para o lado da marca. “Pessoas não compram o que você faz, mas o porquê você faz”, eles repetem esta frase como uma espécie de mantra. O risco aqui é pesar a mão no emocional, no propósito megalomaníaco e criar uma comunicação tão abstrata que o consumidor não consegue nem identificar o que você faz e muito menos se importar. 

Brand LadderingFonte: https://marketoonist.com/2012/06/brand-laddering.html 

Mas então, para que lado devemos puxar o cabo? Bem, para responder essa pergunta, entender antes o conceito de enquadramento pode nos ajudar.

O conceito de enquadramento

Daniel Kahneman, na sua palestra no Prêmio Nobel de 2002, propôs o seguinte exercício:

Conceito de enquadramento

Olhe para os dois pequenos quadrados no centro e diga qual a diferença entre eles? Provavelmente você diria que o quadrado da esquerda é mais claro que o da direita, mas a verdade é que não há diferença alguma.

Os dois são iguais. E apesar de iguais, nosso cérebro os enxerga como diferentes. Isso acontece porque o fundo influencia a percepção daquilo que está no centro. A realidade é diferente do que percebemos. O que esse exercício nos mostra é que o contexto, o pano de fundo, o background, afeta como nosso cérebro enxerga e vivencia as coisas.

As marcas são como este pano de fundo. São “molduras” que envolvem o produto. Marcas, portanto, conseguem mudar a percepção e a sensação que uma pessoa tem ao consumir algo. É esse efeito de enquadramento que explica o valor intangível das marcas (o brand equity). 

É por isso que resultados de testes cegos de produtos dão resultados diferentes de testes em que o consumidor sabe quais são as marcas testadas. É o que explica, segundo Phil Barden, porque até especialistas em vinhos, com paladar afiado, não notam diferença no gosto entre a água da torneira de uma engarrafada, mas mesmo assim, as pessoas alegremente pagam 40 reais na garrafa de água da Voss.

“Ao criar comunicação, geralmente pensamos em marca e produto como antagonistas: é a marca ou o produto, vendas ou imagem, função ou emoção. O dualismo se origina de um modelo de decisão “emocional versus racional” obsoleto que usamos – maioria sem nem estar ciente disso – de conceitualizar os papéis da marca (emocional) e produto (racional) nas decisões de compra. Nesta nova visão, marca e produto não são antagonistas, estão entrelaçadas: marcas fornecem o background que aumenta o valor percebido do produto.” (Phil Barden, tradução livre)

Portanto, no fim, a resposta para o dilema “produto versus marca” pode soar um tanto anti climática, mas é: as duas coisas sempre andam juntas e se influenciam ao mesmo tempo. Não são coisas opostas brigando em um cabo de guerra constante. Assim como um produto impacta na percepção de uma marca, uma marca impacta na percepção de um produto. O segredo é encontrar um balanço entre essas duas coisas.

Mas como o enquadramento pode ajudar a comunicação da minha empresa?

O primeiro ponto é que se produto e marca se complementam e se afetam, isso quer dizer que investir em branding desde o começo é muito importante para gerar diferenciação e despertar interesse do seu público. Empresas no early stage podem se beneficiar buscando este equilíbrio: nem abstrato demais e nem “produteiro” demais. 

O segundo ponto é que na hora de construir os elementos abstratos e conceituais da sua marca, é necessário olhar para o produto e ver se aquilo que estamos propondo se conecta com o que de fato entregamos. 

O enquadramento, portanto, reforça os 3 critérios básicos de um bom posicionamento: precisa ser verdadeiro (entregamos o que prometemos?), é relevante (o que falamos resolve a tensão do consumidor?) e é diferente (pessoas conseguem nos distinguir da concorrência?). 

A Volvo, por exemplo, enquadra seus produtos no conceito de segurança. Se uma pessoa considera a sua segurança e a de sua família a coisa mais importante ao dirigir um carro, ao comprar um, provavelmente se lembrará da Volvo. É uma essência poderosa, mas só conseguem dominá-la porque é verdadeira. Ninguém duvida que a marca que inventou o cinto de segurança de 3 pontos preze pela segurança. 

E o terceiro e último ponto é que se o enquadramento, assim como o posicionamento, precisa ser relevante para o consumidor, ou seja, se conectar com suas necessidades e anseios, a marca precisa se adaptar a cada cultura em que está inserida.

Um exemplo disso, segundo Phil Barden, é a Starbucks. Geralmente a marca enquadra seu café (produto) no conceito de “férias curtas”. Entrar em uma loja, deve evocar a experiência de uma excitante viagem. Mais do que um pit stop, Starbucks é um “terceiro lugar”, além da casa e do trabalho. A música exótica, o design do ambiente, seu cheiro etc., tudo é feito para criar essa atmosfera. 

Porém, em lugares como a China, isso não é critério mais relevante para o consumidor. Logo, o enquadramento muda para uma experiência luxuosa, uma prova de status. Notaram que lá o consumidor preferia ficar mais tempo na loja e ser visto nela, ao invés de comprar rapidamente e levar para a viagem. Esse comportamento levou a Starbucks aumentar o tamanho das lojas físicas no seu país.

A conclusão é que mesmo no universo de startups, naturalmente disruptivo, em que produtos definitivamente não são commodities, é cada vez mais difícil se diferenciar só com produto. Um exemplo é a grande concorrência no segmento das contas digitais no Brasil, que ao focar apenas no discurso de “taxa zero”, soam genéricas.

Portanto, ao lançar sua empresa, ao invés de ver produto e marca em um cabo de guerra, veja-os como coisas que multiplicam seu valor quando em sinergia. Conquiste o primeiro lugar na mente das pessoas em um determinado contexto ou experiência para que no final, você seja o escolhido.